domingo, 15 de agosto de 2010

Contra-reforma ou Contrarreforma

Devido à preguiça mental, resolvi pegar um texto pronto para postar aqui e decidi colocar um artigo que escrevi no ano passado. Quando reli o dito texto, encontrei incoerências e percebi que eu não poderia postá-lo daquela forma. Decidi revisá-lo, mas o que segue abaixo é um texto novo, cortei quase tudo que tinha escrito e mantive só algumas frases. Eis:

Contra-reforma ou Contrarreforma

Em vigor no Brasil desde primeiro de janeiro do ano passado, a nova reforma ortográfica da língua portuguesa está causando discórdia entre os brasileiros, principalmente entre acadêmicos, lingüistas e escritores. Assinado pelo presidente Lula em setembro de 2008, o novo acordo, discutido desde 1990 pelos países lusófonos, propõe mudanças na acentuação e na grafia de algumas palavras com o intuito de dar um “passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional” . Complemento com o motivo divulgado na época da implementação, qual seja eliminar divergências entre as variedades da língua portuguesa, mantendo um padrão de grafia que possa ser lido por falantes de português de qualquer nacionalidade. O meu questionamento é se há necessidade de se acabar com as diferenças de cada variante do português e se, de fato, a reforma ortográfica vai conseguir eliminar tais desconformidades.

Tentemos, primeiramente, entender as alterações: qual seria a razão para o fato de alguns acentos diferenciais terem desaparecido (para e pára, pela e péla) enquanto outros (por e pôr, pode e pôde) permanecem existindo? O emprego do hífen, sempre turbulento, tornou-se mais confuso ainda. Outro caso problemático é o das palavras cuja regra de grafia ou acentuação admite duas possibilidades, como “gêmea” (forma brasileira) e “gémea” (forma portuguesa). A este ponto, alguém poderia dizer: certo, mas que diferença faz afinal lermos “Amazônia” ou “Amazónia”? O questionamento é pertinente, e devemos lembrar que ele também vale para as outras regras. Que diferença faz realmente lermos “erva” ou “herva”? Compreendemos plenamente o sentido da palavra, então por que estas não podem ser utilizadas facultativamente como outras? Não creio que exista diferença para a compreensão de um texto um ínfimo acento gráfico como o da palavra idéia – agora, “ideia”. As divergências ortográficas não causavam prejuízos quaisquer para a compreensão do texto, quando um português lia um texto com a grafia do Brasil ou o inverso – se acontecer de um brasileiro ter dificuldade ao ler Saramago, por exemplo, não será por causa da ortografia. Desta sorte pode-se perceber que, para nós, falantes do português, suprimir as diferenças entre cada uma de suas variações é desnecessário.

Pensando no caso do português, ressalto que, mesmo com a reforma do ano passado, as divergências continuam existindo, afinal as verdadeiras dessemelhanças entre as duas principais formas do português não são aquelas de acento gráfico ou de letras mudas, mas de vocábulos, expressões, empregos de formas verbais diferentes. Ao espiar o portal de um jornal português, podemos encontrar termos como “desporto” para esporte, “pontapé de canto” para escanteio, também notamos o uso comum de “consigo”, quando estamos acostumados com “contigo” ou “com você”, o freqüente emprego da ênclise, quando preferimos a próclise, ou ainda estruturas que usam o infinitivo para indicar ações correntes (“estamos a esperar” ao invés de “estamos esperando”). Apenas este tipo de divergência é perceptível na língua escrita, portanto tentemos contemplar outro ponto, um que diz respeito à língua falada: ao ouvirmos um falante nativo do português que não seja brasileiro, percebemos mudanças ainda maiores do que as anteriormente mencionadas, a começar pela pronúncia das palavras. Se há divergências entre o português de Portugal, o de Angola, o do Brasil e o das demais variedades, isto se dá em razão de os falantes estarem em ambientes distintos, expostos a diferentes condições. Não pretendo me aprofundar em questões de evolução lingüística, o meu ponto é: a língua evolui de uma maneira em um lugar e de forma diversa em outro – o que pode ser percebido com clareza ao analisarmos a forma de se falar em cada região do Brasil. Destaco ainda que as mudanças decorrentes desta evolução se apresentam na forma falada da língua, mas os falantes em geral – não apenas os gramáticos, como pode-se pensar – resistem a aceitar as alterações e a transmiti-las para a forma escrita da língua. Digo mais: parar a evolução de uma língua é uma utopia e uma reforma ortográfica não conseguirá fazê-lo.

O que penso sobre tudo isso, afinal, é que a verdadeira mudança, aquela que já nos está afetando a nós todos, é que agora estamos tendo que aprender novas regras para escrever, isso sem falar na imensidão de livros didáticos e gramáticas que se tornaram obsoletos. Com a nova reforma, a idéia que se quis passar para os falantes do português é a de que com ela tudo se unificará e viveremos felizes para sempre. Poucos percebem que a unificação das variedades da língua portuguesa é uma ilusão: hoje comunicamo-nos sem maiores problemas, mas há de chegar o dia em que as línguas faladas nos chamados países lusófonos tornar-se-ão distintas, e ele chegará, mesmo que tentem uniformizar até a forma de abrir a boca pra falar português.

Um comentário:

  1. No final das contas, você não respondeu. Péssimo, isso!

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