domingo, 22 de agosto de 2010

Outras vezes, uma palavra é quanto basta.

“Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento circular, como os espojinhos que atravessam o campo levantando poeira, folhas secas, insignificâncias, que para mais não lhes chegam as forças, bem melhor seria vivermos em terras de tufões. Outras vezes, uma palavra é quanto basta.”

A Jangada de Pedra, José Saramago

domingo, 15 de agosto de 2010

Contra-reforma ou Contrarreforma

Devido à preguiça mental, resolvi pegar um texto pronto para postar aqui e decidi colocar um artigo que escrevi no ano passado. Quando reli o dito texto, encontrei incoerências e percebi que eu não poderia postá-lo daquela forma. Decidi revisá-lo, mas o que segue abaixo é um texto novo, cortei quase tudo que tinha escrito e mantive só algumas frases. Eis:

Contra-reforma ou Contrarreforma

Em vigor no Brasil desde primeiro de janeiro do ano passado, a nova reforma ortográfica da língua portuguesa está causando discórdia entre os brasileiros, principalmente entre acadêmicos, lingüistas e escritores. Assinado pelo presidente Lula em setembro de 2008, o novo acordo, discutido desde 1990 pelos países lusófonos, propõe mudanças na acentuação e na grafia de algumas palavras com o intuito de dar um “passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional” . Complemento com o motivo divulgado na época da implementação, qual seja eliminar divergências entre as variedades da língua portuguesa, mantendo um padrão de grafia que possa ser lido por falantes de português de qualquer nacionalidade. O meu questionamento é se há necessidade de se acabar com as diferenças de cada variante do português e se, de fato, a reforma ortográfica vai conseguir eliminar tais desconformidades.

Tentemos, primeiramente, entender as alterações: qual seria a razão para o fato de alguns acentos diferenciais terem desaparecido (para e pára, pela e péla) enquanto outros (por e pôr, pode e pôde) permanecem existindo? O emprego do hífen, sempre turbulento, tornou-se mais confuso ainda. Outro caso problemático é o das palavras cuja regra de grafia ou acentuação admite duas possibilidades, como “gêmea” (forma brasileira) e “gémea” (forma portuguesa). A este ponto, alguém poderia dizer: certo, mas que diferença faz afinal lermos “Amazônia” ou “Amazónia”? O questionamento é pertinente, e devemos lembrar que ele também vale para as outras regras. Que diferença faz realmente lermos “erva” ou “herva”? Compreendemos plenamente o sentido da palavra, então por que estas não podem ser utilizadas facultativamente como outras? Não creio que exista diferença para a compreensão de um texto um ínfimo acento gráfico como o da palavra idéia – agora, “ideia”. As divergências ortográficas não causavam prejuízos quaisquer para a compreensão do texto, quando um português lia um texto com a grafia do Brasil ou o inverso – se acontecer de um brasileiro ter dificuldade ao ler Saramago, por exemplo, não será por causa da ortografia. Desta sorte pode-se perceber que, para nós, falantes do português, suprimir as diferenças entre cada uma de suas variações é desnecessário.

Pensando no caso do português, ressalto que, mesmo com a reforma do ano passado, as divergências continuam existindo, afinal as verdadeiras dessemelhanças entre as duas principais formas do português não são aquelas de acento gráfico ou de letras mudas, mas de vocábulos, expressões, empregos de formas verbais diferentes. Ao espiar o portal de um jornal português, podemos encontrar termos como “desporto” para esporte, “pontapé de canto” para escanteio, também notamos o uso comum de “consigo”, quando estamos acostumados com “contigo” ou “com você”, o freqüente emprego da ênclise, quando preferimos a próclise, ou ainda estruturas que usam o infinitivo para indicar ações correntes (“estamos a esperar” ao invés de “estamos esperando”). Apenas este tipo de divergência é perceptível na língua escrita, portanto tentemos contemplar outro ponto, um que diz respeito à língua falada: ao ouvirmos um falante nativo do português que não seja brasileiro, percebemos mudanças ainda maiores do que as anteriormente mencionadas, a começar pela pronúncia das palavras. Se há divergências entre o português de Portugal, o de Angola, o do Brasil e o das demais variedades, isto se dá em razão de os falantes estarem em ambientes distintos, expostos a diferentes condições. Não pretendo me aprofundar em questões de evolução lingüística, o meu ponto é: a língua evolui de uma maneira em um lugar e de forma diversa em outro – o que pode ser percebido com clareza ao analisarmos a forma de se falar em cada região do Brasil. Destaco ainda que as mudanças decorrentes desta evolução se apresentam na forma falada da língua, mas os falantes em geral – não apenas os gramáticos, como pode-se pensar – resistem a aceitar as alterações e a transmiti-las para a forma escrita da língua. Digo mais: parar a evolução de uma língua é uma utopia e uma reforma ortográfica não conseguirá fazê-lo.

O que penso sobre tudo isso, afinal, é que a verdadeira mudança, aquela que já nos está afetando a nós todos, é que agora estamos tendo que aprender novas regras para escrever, isso sem falar na imensidão de livros didáticos e gramáticas que se tornaram obsoletos. Com a nova reforma, a idéia que se quis passar para os falantes do português é a de que com ela tudo se unificará e viveremos felizes para sempre. Poucos percebem que a unificação das variedades da língua portuguesa é uma ilusão: hoje comunicamo-nos sem maiores problemas, mas há de chegar o dia em que as línguas faladas nos chamados países lusófonos tornar-se-ão distintas, e ele chegará, mesmo que tentem uniformizar até a forma de abrir a boca pra falar português.

domingo, 8 de agosto de 2010

Sobre a mostra de exercícios

(ver post relacionado)

À exceção das coisas que deram errado, deu tudo certo. O que eu quis dizer com isso: o resultado foi, na minha opinião, positivo. As cenas do círculo de giz funcionaram quase perfeitamente, incluindo os elementos adicionados de última hora, como as aparições do Pato Donald de pelúcia. Não me atrapalhei com as falas durante as cenas Simão/Grucha, e conseguimos encobrir os poucos erros nas falas na cena da Mulher do Governador. Os colegas da outra turma estavam lá para fazer tudo ficar melhor ainda: as cenas deles estavam ótimas. No geral, o público pareceu ter gostado.

Não bastasse isso, ainda tive um daqueles momentos únicos. Momentos de que dificilmente se esquece. Foi quando concluímos a cena da Mulher do Governador. Na cena, Simão (meu personagem) tenta, com urgência, tirar Natella Abashvíli (esposa de um governador da Geórgia) do palácio por causa das rebeliões, ao passo que ela só está preocupada em colocar os vestidos na mala para a viagem. Essa cena nos deu, nos ensaios, muito mais trabalho do que qualquer outra, por causa de seu ritmo: tudo devia ser muito rápido para passar a idéia de urgência e desespero. Agora, ao tentar lembrar da cena toda na apresentação, não consigo lembrar de muita coisa, só tenho o sentimento de que foi algo muito intenso e efêmero. Lembro, sim, de tudo o que aconteceu depois. Saí do palco carregando a Lu (Natella) como se fosse um saco de batatas. Ao colocá-la no chão, atrás das cortinas, senti como se todo aquele desespero da cena estivesse querendo explodir dentro de mim: não conseguia parar de tremer. Penso que a isto foi somada a euforia de ter concluído aquela cena com êxito, aumentando ainda mais a tremedeira. Não lembro de alguma outra vez em minha vida ter sentido algo com semelhante intensidade.

É por essas e outras que cada vez mais não consigo pensar na minha vida dissociada do teatro. É difícil não esboçar um sorriso ao lembrar do momento: eu largando a Lu no chão e começando a tremer, enquanto ela, estática e rindo, sussurrava: Pedro, deu certo!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sobrado

Ontem tive dor nas costas. Dor nas costas de tanto estar sentado. O novo (e último) filme do Shrek é ótimo, mas mesmo assim eu cansei. É penoso, para mim, ficar sentado dentro de uma sala de cinema por duas horas. Pior ainda, no mesmo dia, mais duas horas sentado em um teatro.

Mesmo não tendo sido muito confortável, ter tido dor nas costas não foi em vão. Como já disse, o filme foi ótimo. A peça que vi, O Sobrado, foi impecável. Há tempos não assistia a algo tão bom no teatro. Sou meio avesso a adaptações de livros, e a experiência que tive com a minissérie O Tempo e o Vento foi muito pior do que eu esperava: o sobrado não se parecia nem um pouco com aquilo que eu tinha imaginado e, em nenhum instante, o Tarcísio Meira convenceu como Capitão Rodrigo. E talvez tenha sido por isso que, ao ouvir pela primeira vez, no ano passado, que um certo grupo Cerco estava apresentando uma montagem inspirada n'O Tempo e o Vento, não tive muita vontade de ir assistir. Acabei mudando de idéia ao saber das opiniões de amigos, sem falar dos comentários positivos de Luis Fernando Verissimo e de Maria da Glória Bordini.



O Sobrado é o último capítulo (cronologicamente falando) d'O Continente, primeiro livro d'O Tempo e o Vento (Erico Verissimo). A peça, apesar de homônima ao capítulo, não se restringiu a acontecimentos apenas d'O Sobrado, mostrando, em um plano do passado, acontecimentos de outros capítulos. Cenas envolvendo a personagem Bibiana, como seu último encontro com o Capitão Rodrigo (em que ele lhe pede que frite uma lingüiça para esperá-lo), seus conflitos com a nora Luzia e a morte do filho ajudaram a compor a personagem, que, de outra forma, seria apresentada apenas como uma "velha caquética" que fica se balançando na cadeira de balanço. O roteiro fragmentadíssimo, como o livro - o próprio capítulo O Sobrado é apresentado em fragmentos -, foi extremamente fiel à obra de Erico, o que pressupõe profundidade do grupo ao estudar o texto.



Os atores estavam ótimos, em especial Isandria Fermiano (Maria Valéria) que representou muito bem a personagem que, para mim, é a grande personagem feminina d'O Tempo e o Vento. Também o cenário, ou melhor, sua ausência estava adequada: a montagem me fez ver o sobrado da forma como eu o tinha imaginado. Ademais, a simplicidade (apenas aparente, pois nada é simples na montagem de uma peça) em tudo era fascinante: tecidos brancos que transformavam-se em qualquer coisa, a música tocada pelos atores, a luz vermelha para o plano da memória etc.



Fiquei quase duas horas sentado, mas nem a dor nas costas me deixou menos interessado no que ocorria em cena. A esta peça eu assistiria uma outra vez, certamente. Além do mais, ela deixou em mim muito mais forte o sentimento de que preciso reler o quanto antes a grande obra de Erico (e também meu romance predileto). Como disse Luís Franke (o ator que interpretou Fandango) após o final da peça, Viva Erico Verissimo!