domingo, 28 de agosto de 2011

meu caro rapaz, meu carrapato

Agora me passou pela cabeça que eu, quando resolvo escrever nesse blog, tenho tendência de falar sobre música e literatura e, se possível, sobre relações entre essas duas maravilhas. É o caso do post sobre "A Rose For Emily" , conto do Faulkner e música dos Zombies, e do post sobre "A Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" , do Saramago (post que hoje me parece bem mal escrito e mal pensado, mas vou deixar pra lá essa questão). Isso pra dizer que hoje, quando subitamente resolvi escrever qualquer coisa, a idéia novamente foi falar de música e literatura. Mas enfim, o que se há-de fazer senão colocar a idéia em prática?

Pois bem: o jovem aqui à esquerda é o Tom Zé (sim tô falando do Tom Zé de novo), ou melhor, foi o Tom Zé. Não que ele esteja morto, é que hoje ele é mais velhinho e mais barbudo. Não que isso venha ao caso. O que vem ao caso é o seguinte: Lá no Estudando o Pagode (2005), tem uma música chamada Quero Pensar (A Mulher de Bath). Ora, eu sempre escutava a música, mas nunca dava bola pro subtítulo entre parênteses, sabia que ele estava lá, mas era uma informação aleatória vagando como um fantasma errante na minha mente. Mal sabia eu que haveria de chegar o dia em que tal fantasma encontraria sentido pra sua existência!


Explico: lá estou sentado no primeiro andar da faculdade de economia lendo um texto sobre literatura inglesa dos tempos do êpa (século quatorze), quando me aparece uma certa Wife of Bath. Instantaneamente eu tive aquele pensamento clássico "pô, eu conheço isso de algum lugar", foi então que eu perguntei pra essa tal Wife of Bath: "você vem sempre aqui pelas redondezas da minha mente, meu bem?". Não preciso nem dizer que quem me apareceu em seguida foi o fantasma aquele e uma relação muitíssimo peculiar se revelou pra mim: Tom Zé e literatura inglesa do século quatorze. Quem diria hein?

Só para contextualizar então: olha esse retrato aqui do lado. O nome desse cara é Geoffrey Chaucer. Tem uns quantos estudiosos de literatura inglesa que consideram ele o primeiro grande escritor de língua inglesa (não concordo muito com a parte do "primeiro", por razões que não vêm ao caso no momento, mas com a parte do "grande escritor", concordo definitivamente). Mas qual é a dele, então? Já digo: ele é o autor das Canterbury Tales, um livro de contos originalmente escrito em verso e em Middle English. O livro tem uma história de fundo, que os teóricos chamam moldura (pra quem leu As Mil e Uma Noites ou Decamerão, é isso), que é a seguinte: trinta peregrinos partem de Londres com destino à Cantuária (Canterbury), viagem de mais ou menos 95km, distância que era percorrida em quatro dias. Resumindo: para que o tempo passe mais rápido, esses peregrinos resolvem contar histórias.

E é aí que entra a Mulher de Bath: ela é uma dentre os peregrinos. A parte dedicada a ela no livro é bastante interessante, tem no máximo trinta páginas, recomento muito (li uma adaptação em prosa para o inglês moderno, mas sei que se encontra tradução para o português). Olha como é interessante: em pleno século quatorze, o Chaucer apresenta uma mulher que foi casada cinco vezes, que prega que a mulher tem que mandar no casamento e que conta como brigava com seus falecidos esposos para que eles se submetessem a ela. A história que ela conta é bem interessante, mas vai ficar de fora do post. Para quem se interessar, recomendo uma animação que tem no youtube. O vídeo só tem seis minutos e é muito bem feito, mas só vale pra quem entende bem inglês. Uma única ressalva: a autora da animação muda o final da história - o que eu, particularmente, achei bem legal.

Já falei muito, mas só pra terminar: pega um relato de uma das brigas da Wife of Bath com um dos maridos e compara com a discussão na música do Tom Zé (Quero Pensar). Daí tu entende o porquê de o maluco-gênio-baiano ter colocado a Mulher de Bath no subtítulo.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

ainda sobre vermes


Os mortos de Sobrecasaca

Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos.
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.

Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava,
que rebentava daquelas páginas.



*o autor, Drummond.

sobre vermes

Os vermes

"Ele fere e cura!" Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.

- Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos: nós roemos.

Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra, repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos, fosse ainda um modo de roer o roído.
O Verme

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.


*o autor, Machado de Assis.
note-se que o primeiro é o décimo sétimo capítulo de Dom Casmurro. o segundo é um poema que encontrei por aí, nos googles da vida.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

antônio josé


Recentemente parei pra pensar em qual seria o nome do Tom Zé. A primeira suposição - que se confirmou certa - foi que é Antônio José.
Antônio José, mesmo nome do "Judeu", autor brasileiro do século XVIII, mas mais conhecido em Portugal, até porque foi lá que ele viveu a maior parte da vida.
Autor de Guerras de Alecrim e Manjerona, o judeu morreu queimado na fogueira (santa inquisição!). É uma leitura interessante, principalmente pros interessados em teatro.
Me passou pela mente agora colocar aqui meu trabalho sobre o judeu. Vou fazer isso! Mas no próximo post. Esse post aqui é sobre o outro Antônio José.

Na verdade só quero postar um pedacinho de uma música - uma dentre tantas geniais!
A música em questão é O Amor é um Rock, que é bem boa toda ela, mas tem uma parte que talvez se possa chamar de sublime no sentido que a palavra é usada por Longino no seu Tratado do Sublime.
A referência pode ser ignorada, ou pesquisada, se assim se quiser. Não estou com vontade de falar sobre isso agora...
Mas enfim, sublime não a letra, mas o conjunto letra e melodia, a parte se destaca na música com uma simplicidade que é bonita por demais!
Sem mais delongas, colo aqui em baixo o trecho em questão e convido quem por ventura vier a ler isso a escutar a música.

Meu primeiro amor
Foi como uma flor
Que desabrochou
E logo morreu.
Nesta solidão,
Sem ter alegria
O que me alivia
São meus tristes ais.

São prantos de dor
Que dos olhos saem
Pois que eu bem sei
Quem eu tanto amei
Não verei jamais.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

a luz dos óios meus

De todas as músicas que conheço, não sei se existe alguma que, na minha opinião (obviamente), seja tão bonita como Assum Preto. Presente na letra, que também é notável pela simplicidade, e na melodia em modo menor ( já falei sobre isso aqui ), é a tristeza que confere toda a beleza à música. Além do mais a canção me faz lembrar da minha avó, que sempre chorava quando ouvia Assum Preto.

O autor é Luiz Gonzaga. A letra segue.

Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor

Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió

Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus

domingo, 6 de fevereiro de 2011

a rose for emily


Ovindo A Rose for Emily (Zombies), decidi jogar no google pra ouvir acompanhando com a letra. Até aí nada de mais, cena corriqueira no meu dia-a-dia. O que tem de mais vem agora: descobri que a música foi inspirada em um conto de mesmo nome do William Faulkner.

Um belo par: bela canção, belo conto. No centro de tudo, a pobre Emily. A música mostra a personagem destinada a estar só, not a rose for Emily... No conto se conhece a tragédia da última Grierson, a partir do ponto de vista dos vizinhos conservadores do século XIX/início do XX: isolada, solitária, alienada, louca. Quem entenderia Emily? Se Emily não paga impostos é por que o xerife Sartoris a isentou. Não importa se o xerife Sartoris já morreu há mais de dez anos. Emily não paga impostos em sua cidade.

Não é preciso, obviamente, ler o conto para dizer que se pode ter um completo entendimento da música, afinal esta foi apenas inspirada naquele; podem tratar da mesma personagem, mas o fazem de forma diferente. De qualquer forma, são dois pedacinhos de arte que devem ser conhecidos. Não necessariamente juntos, mas se possível, que assim o seja. A intertextualidade enriquece o valor das obras. Enriquece ambas as partes, não apenas o "inspirado" mas também o "inspirador". Meu entendimento de Bola de Sebo (Maupassant) foi acrescido de significados com Geni e o Zepelim (Chico), tenho certeza disso e por aí vai. É por isso que gosto de intertextos: criam possibilidades.

intertextualidade rules!